INTRODUÇÃO À CIÊNCIA SAGRADA 
Programa Agartha

MÓDULO III

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TARÔ

 

As 16 cartas chamadas "da Corte", somadas aos 22 Arcanos Maiores e os 40 Menores, completam os 78 arcanos do Tarô.

A estrutura destas dezesseis cartas está em relação com o quadrado de quatro (4 x 4 = 16), símbolo que foi venerado na Antigüidade, particularmente entre os pitagóricos.

Este grupo de lâminas está constituído por 4 figuras: Rei, Rainha, Cavaleiro –ou Cavalo– e Pajem que se repetem em cada um dos 4 naipes do baralho.

Já dissemos que estes naipes ou cores –Paus, Espadas, Copas e Ouros– correspondem-se de modo preciso com os 4 mundos ou planos da Árvore da Vida: Atsiluth, Beriyah, Yetsirah e Asiyah, e portanto também com os respectivos elementos (fogo, ar, água e terra) que, segundo estudamos, estão vinculados de modo geral com quatro estados do ser (espírito, alma superior, alma inferior e corpo).

Cada uma das figuras da corte se faz corresponder também a um elemento e a um mundo: o Rei ao mundo do fogo e do espírito; a Rainha, relacionada com o ar, à alma superior; o Cavaleiro (água) à alma inferior; e o Pajem se localiza no mundo material, figurado pelo elemento terra.

Estes quatro mundos, planos, estados ou níveis, não estão separados, mas constituem uma unidade e, portanto, são inter-relacionados intimamente até o ponto de, como explicamos, em cada plano da Árvore da Vida se achar uma Árvore inteira com seus quatro mundos.

Os 16 Arcanos da Corte nos levam ao conhecimento dessas relações que têm os 4 elementos entre si, de modo semelhante a como o faz também a Astrologia e alguns outros oráculos como o I Ching.

Para compreender melhor como se estabelecem ditas relações utilizando estes arcanos, poremos dois exemplos: o Rei de Copas estabelece um vínculo entre o mundo do espírito (Rei) e o psiquismo inferior (copas). Segundo a linguagem cabalística que temos utilizado, poderíamos chamar esta carta de "Atsiluth em Yetsirah", já que relaciona o fogo (Rei) com a água (copas), e nos pode ajudar a decifrar a influência do espírito em nosso psiquismo individual; outro: um Pajem de Espadas (Asiyah em Beriyah), estar-se-á referindo, pois, à relação do mundo material com os arquétipos puros da criação, ou seja, da terra com o ar; desta maneira, cada uma das 16 Cartas da Corte se vinculará então a 2 elementos e dois mundos, vendo-se também nelas as influências que um plano exerce em outro.

As Cartas da Corte são também (como os elementos e os mundos) o símbolo da hierarquia quaternária que rege e ordena o universo, a natureza, as sociedades e os homens. Disse-se que estas últimas 16 cartas respondem a um quaternário referente ao que a tradição indiana entende pelas castas, inclusive as relacionando com a influência e o poder que essas castas têm no devir histórico. Desde esse ângulo de visão, os reis corresponderiam aos sacerdotes (ou imperadores-sacerdotes), as rainhas à nobreza e aristocracia, os cavaleiros à burguesia comercial, política e administrativa, e os pajens aos camponeses, peões, funcionários e pessoal de serviço. Conquanto essas divisões existem, e são fundamentalmente espirituais e simbólicas, nada têm que ver com as concepções atuais de classe, baseadas no econômico, cultural ou racial. Desde faz muitos séculos os filhos de um mesmo casal podem pertencer a castas espirituais diferentes.

 
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AS QUATRO IDADES

 

Para a tradição indiana, "de cada poro de Brahma brota um universo a cada instante", e um ciclo de vida de um universo é chamado Kalpa, ao qual se representa como uma respiração desse Ser invisível. Um Kalpa está por sua vez dividido em quatorze Manvántaras, sendo cada um destes últimos um ciclo humano completo de existência, ou um “dia” da terra, o qual por sua vez é subdividido em quatro yugas, ou sub-ciclos, tal como às quatro idades dos gregos.

Podemos encontrar nas mitologias dos povos a recordação de um tempo primordial; um paraíso perdido –ou Idade de Ouro– na qual o homem vivia em perfeita harmonia com o cosmos e a natureza, em “estado de graça” e perene presença do Espírito. Nesse illo tempore, que os indianos denominam Satya Yuga, os homens se identificavam com os deuses, e a verdade, como a montanha, era visível para todos. Foi desses antepassados míticos que a humanidade herdou a cultura verdadeira e os valores espirituais mais elevados. No entanto, em razão das leis cíclicas, esse tempo foi seguido por outras idades, cada vez mais restringidas, nas quais se foi perdendo, pouco a pouco, o estado virginal das origens, os deuses caíram e a verdade teve que se ocultar no interior da caverna, no mundo subterrâneo, e revelar-se unicamente a uns poucos.

À Idade de Ouro ou Satya Yuga, seguiu uma de Prata ou Treta Yuga; depois veio a de Bronze ou Dvapara Yuga; e finalmente a de Ferro ou Kali Yuga que, segundo dados astrológicos tradicionais, está a ponto de chegar a seu fim.

Observemos agora dois ciclos: um, o de 25.920 anos, ao qual nos referimos no Módulo II, título 54; o outro, mais amplo, de 64.800 anos, relacionado numericamente com aquele. Uma maneira de vê-los é divididos em quatro partes iguais, em cujo caso a cada uma das fases do primeiro seria de 6.480 anos e as do segundo de 16.200. Mas outra forma tradicional de subdividir estes ciclos, que nos dá outra perspectiva sobre os mesmos, é a qual obtemos utilizando a lei da Tetraktys pitagórica (10 = 1 + 2 + 3 + 4), em cujo caso se atribui a cada uma das idades os seguintes números:

         10 = Ciclo de:    25.920 anos 64.800 anos 
          4 + Satya Yuga = 10.368 + 25.920 +
          3 + Treta Yuga =   7.776 + 19.440 +
          2 + Dvapara Yuga =   5.184 +  12.960 + 
          1 Kali Yuga    2.592 =   6.480 =
    25.920 64.800

Por isso, desde o ponto de vista do primeiro ciclo pode se ver o começo do Kali Yuga numa data muito próxima ao século VI a.C. (faz 2.592 anos), enquanto desde a perspectiva do segundo esse começo se remontaria a 6.480 anos antes do fim de ciclo. Em todo caso é notável observar que os dados da tradição nos mostram que ambos os ciclos estão chegando a seu final, e que nos encontramos num ponto de transição, fato que a sua vez anuncia o advento de uma nova Idade.
 
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ARITMOSOFIA

 

As Magnitudes Lineares e Suas Proporções. As civilizações do Extremo Oriente e as pré-colombianas tomaram o número cinco como seu modelo matemático. Os pitagóricos o fizeram com o número dez. Isto supõe uma perfeita concordância já que o cinco corresponde ao módulo dos dedos de uma mão e o dez ao das duas. A mão, ou as duas mãos (e ainda em alguns casos a soma dos dedos das mãos e os pés = 20), constituiu o modelo numérico de onde derivaram todos seus conhecimentos macrocósmicos e microcósmicos, que desde então não são pouca coisa, já que com este módulo foram construídas as extraordinárias civilizações que hoje nos assombram e que chegaram a calcular as distâncias e revoluções das estrelas, inclusive o terceiro movimento, como de pião, da terra, chamado precessão dos equinócios, que ela efetua cada 25.920 anos. Isto se deve às analogias que estabeleceram entre todas as coisas e que a ciência mais moderna e seu instrumental confirmam, pois é óbvio que inumeráveis gerações de homens –ainda que vivessem 900 e 700 anos como na Bíblia se afirma– não poderiam ter uma experiência deste último fato. Daremos só um breve exemplo das proporções lineares referidas às potências de dez (as duas mãos).


fig. 23


Se o homem é dez elevado a zero (100), poderíamos dizer que sua habitação é 101. Dez à segunda potência (102) seria o campo que lavra um agricultor e que rodeia sua casa. 103 seria equiparável à comarca que habita, enquanto 104 constituiria sua província e 105 seu país. Dez à sexta potência (106) seria seu continente e 107 o mundo inteiro. 108 constituiria o sistema solar e 109 o Universo infinito; nesse caso dez à décima potência que seria?

Quer-se destacar que a série decimal é especialmente apta para as medidas lineares, enquanto a baseada no seis –ou em sua metade o três, e seu dobro o doze– e particularmente no nove (igual a 32 ou a 3 + 6) está relacionada com as medidas ou módulos circulares, ou seja aqueles que têm evidente conexão com o perímetro da circunferência (360°).

 
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ALGUMAS ADVERTÊNCIAS BASICAS

 

– Todos os sábios e todas as antigas e altas civilizações destacaram o símbolo e a via simbólica, como veículo esotérico e mágico de realização, para aceder aos arcanos mais secretos e ocultos dos mistérios cosmogônicos, ou seja, do Homem e do Universo.

– Devemos considerar a diferenciação que há entre o esotérico e o exotérico, como duas leituras diferentes –e opostas– da realidade. O esotérico se relaciona com o invisível, oculto e secreto, tal o ponto central do círculo (ou eixo da roda); e o exotérico com o periférico, superficial, externo e com a circunferência (que se realiza tomando o ponto como princípio de partida) e assim mesmo com o movimento mutável da roda.

– O menor é o mais poderoso.

– Como bem se diz, o Ensino chega quando o estudante está a ponto para recebê-lo. A saber: quando sua necessidade é absolutamente imperiosa.

 
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NOTA:

 

A esta altura do Ensino, há a possibilidade de que você ainda não saiba ou compreenda com clareza qual é verdadeiramente o conteúdo deste manual. Não o dê então por sabido –como costuma ser o habitual– e volte a estudá-lo relendo em profundidade e com suma lentidão (retardando o tempo) tudo o que nele se contém. É muito mais nobre e produtiva esta humildade, ou melhor, esta franqueza para consigo mesmo, que supor o que ainda não se sabe ou colocar uma rápida etiqueta àquilo que se quer despachar para sair outra vez do passo. Estas releituras lhe brindarão mais de uma surpresa e lhe oferecerão numerosas perspectivas, com as quais, neste momento, talvez, você não creia contar. Pensamos que é válida e nos está permitida a sugestão anterior avalizada pela experiência na realização de nosso Programa.

 
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O MESTRE

 

Queremos aqui dizer umas palavras sobre alguns mal-entendidos vinculados ao "mestre", próprios da confusão em que se existe, que obedecem a uma dialética descendente do ciclo que o Ocidente e sua influência mundial exemplificam, já que este pensamento profano se infiltrou no mundo inteiro. Não nos referimos exclusivamente a determinadas apreciações que se fazem sobre o particular, envolvidas com o simples poder pessoal em qualquer de suas formas, nem às versões "cinematográfico-televisivas" sobre o tema. Tampouco a uma forma de "sublimação", tanto seja esta dos temas que se ensinam, como daqueles que os distribuem. Teme-se sempre, nestes casos, uma falsa perspectiva com respeito à autêntica espiritualidade, que é suplantada por adesões afetivas, ou empanadas pela penumbra de uma "crença" demasiado materializada. Todas estas possibilidades podem se enquadrar numa perspectiva linear e estreita, numa visão literal e –ainda que não se queira– racionalista, quando não sentimental e seguramente dependente. Estamos nos referindo às falsas idéias a respeito do "Mestre Superman", aquele que possui maiores poderes físicos e psíquicos do que os demais mortais, e ao tabu dos "dons" e do "ascetismo" deste personagem, ao que se lhe destaca por seus egos, e não por seus Ensinos Metafísicos diretamente conectados com o Espírito. Para pior, como alguns destes "poderes" e "dons" simbólicos são verídicos quanto àqueles que vão superando suas provas de Iniciação –ainda que jamais vistos desde uma perspectiva grosseiramente materializada– criam-se muitas confusões que, tal como são, não somos capazes de resolvê-las.

A rigor, na Tradição Hermética e na Alquimia, a Doutrina e o Ensino que o estudante aprende são um só, e este é o Conhecimento da Cosmogonia, a saber: a interpenetração de outros tempos, espaços, ritmos e estados de consciência diferentes dos ordinários, que são realidades tão autênticas –quando menos– como as concepções tomadas do cúmulo de esfumaturas e ineficiências que se nos oferece a sociedade contemporânea. Nesta tradição, os introdutores e iniciadores não são considerados "mestres" no sentido de exercer uma função de tipo psicológico ou de autoridade institucional, ou mesmo de exemplaridade em determinados usos e costumes que o mundo pode mudar uma e outra vez a seu desejo, de acordo a suas modas que perenemente ficarão na relatividade das formas. Não se faz, pois, tanta questão quanto ao "mestre", porque se ensina que a Realização é individual e que se a deve conseguir cada qual por si, inevitavelmente. Pelo que se aconselha ao leitor que não ponha em outros o que em verdade deve trabalhar em si.

Devemos recordar que, segundo Platão, seu mestre Sócrates identificava sua função com a de um obstetra, o que equivale a dizer que não considerava seu ofício como algo idealizado e magisterial segundo o imaginam nossos contemporâneos. O verdadeiro Mestre é uma energia celeste que se faz em nós, já que em nossa interioridade existe essa possibilidade. O autêntico Mestre é divino, é o Cristo interno, como o foi para os cristãos primitivos e como o é para todos aqueles que não têm uma visão infantilóide das coisas. A dificuldade de aceitar os ensinos deste Programa e realizá-los reside nesta questão, ou seja, que o leitor deve fazer seu trabalho por si, à intempérie, em solidão, sem o amparo que lhe brinda o que vulgarmente se entende por um mestre, a identificação com uma etiqueta ou esta ou aquela "instituição" mais ou menos aceita pelo meio.

 
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EGITO

 

"... dado que o país santo de nossos antepassados se acha no Centro da Terra e corresponde à zona média do corpo humano, santuário do coração, habitáculo da alma, por esta razão, filho meu, os humanos desta região, não menos dotados do que os demais pelo que faz ao resto do corpo, são excepcionalmente mais inteligentes do que os restantes e mais sábios, dado que nasceram e cresceram no lugar do coração." (Hermes Trismegisto, Ensinos Secretos de Ísis a Hórus.)

A importância do Egito na história de nossa tradição é fundamental, já que Kemi (nome dado ao Egito antigo, que significa "terra negra", origem da palavra Alquimia), é berço de toda a cultura ocidental e particularmente do Hermetismo.

Segundo Plutarco, os egípcios comparam sua terra a um coração que representa também o céu. Esta visão, que concebe ao espaço habitado pelo homem como um reflexo do celeste e como uma região central e sagrada, é comum a toda civilização que provém da Tradição Primordial, como é o caso da egípcia, que compartilha com as altas culturas as verdades essenciais.

Thot, o deus egípcio que posteriormente tomará entre os gregos o nome de Hermes, é o que ensina a Ísis a arte sacerdotal que esta deusa transmitirá a seu filho Hórus. Estes mistérios são passados aos hierofantes, guardiões e transmissores de uma Sabedoria divina e esotérica, que se deposita e se revivifica nos símbolos, mitos e ritos dessa grande cultura, que com outras formas será também conhecida por gregos e romanos e pelo Ocidente medieval e renascentista.

O esquartejamento de Osíris nas mãos de Seth e a restituição que de seu corpo realiza Ísis, unindo o disperso, foi no Ocidente o modelo simbólico da Iniciação (morte e ressurreição). Guiados por Hermes e com o auxílio de Ísis, viajam os mortos para a verdadeira morada, num trajeto que é análogo à viagem iniciática. Ísis, no Egito, como Deméter em Elêusis, é a que institui as iniciações entre os homens e a que ensina seus ritos.

É clara a relação entre Egito e a cultura judaica. Recordemos que José, o filho de Jacó, foi vendido por seus irmãos a uns mercadores ismaelitas que lhe levaram ao Egito e, graças a seus dotes adivinhatórios, chegou a ser vice-rei, governando como outro faraó. Ali recebeu posteriormente seu pai e seus onze irmãos (Gênesis, 37 a 50) e, a partir deles, as doze tribos de Israel se engendraram em terras egípcias nas quais permaneceram até tempos de Moisés que, como é sabido, foi educado na corte faraônica.

É interessante também observar que José e Maria com o menino Jesus, por conselho de um anjo que apareceu em sonhos, fugiram ao Egito para escapar da matança de Herodes, “a fim de que se cumprisse o que tinha pronunciado o Senhor por seu profeta, dizendo: “Do Egito chamei o meu filho” (Mateus, 2, 15)”. Alguns afirmam que Jesus regressou a esse país durante sua vida oculta.

Existe um paralelismo indiscutível entre os deuses egípcios e os das mitologias grega e romana, o que demonstra uma clara influência da cosmovisão egípcia sobre a greco-romana, que se confirma com o fato de que vários pensadores pré-socráticos, encabeçados por Pitágoras, receberam boa parte de sua formação diretamente dos iniciados egípcios, que teriam transmitido a este último muito dos conhecimentos matemáticos, geométricos, musicais e astronômicos que nutriram nossa cultura até o dia de hoje.

Também é notável que tenha sido em Alexandria, no delta do Nilo, onde se desse uma assombrosa reunião de sábios de diversas tradições, nos séculos II, III e IV de nossa era, produzindo-se uma síntese da gnose egípcia, grega, romana, judaica e cristã, que dali passou ao Ocidente medieval, alumiando toda a história da Europa e do Próximo Oriente.

O antigo Egito se localiza na origem do Kali-Yuga e com segurança é a ponte que une esta era com as anteriores. As similitudes entre esta civilização e as culturas americanas pré-colombinas (especialmente no simbolismo construtivo) fizeram pensar a muitos que ambas provêm da desaparecida Atlântida.

 
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PERFEIÇÃO OU PERFECCIONISMO?

 

Por quê? Por que o infinito amor do Universo se manifesta na confrontação de suas criaturas? Por que o terremoto da ilusão? Para que existe um mundo imperfeito onde o mau e a injustiça dominam?"

Tratemos de reflexionar: quem é o que fala, o que divaga desta maneira? Resposta: um perfeccionista, um interessado em mudar o rumo das coisas, do plano divino. E poderíamos reperguntar a esse personagem: De que serviria criar o melhor de acordo às normas de uma organização ilusória baseada nos benefícios da ciência e da saúde? Quem poderia "melhorar" de acordo ao estabelecido por uma entidade imaginária? Em todo caso, por que se deveria "melhorar", e em que aspecto? E quem seria capaz de certificar essas "melhorias", esse status anímico, esse "conforto espiritual"? Todo homem é mortal, tarde ou cedo acaba; sua viagem verdadeira é um retorno às origens. O ego chamado, hoje, desejo de "perfeição" relativo a certos tesouros, que não são sempre o sexo ou o dinheiro, senão que constituem para cada qual o que imaginariamente crê ser, ou suas aspirações a respeito, é algo perigosíssimo; uma mania que pode ser assassina.

Educar a outros no erro, seja no de uma psicologia higiênica, ou no de uma moral legalista, ou uma cultura desodorizada (quando não se os lança a uma concorrência sem meta verdadeira) é aceder ao caos ainda que pareça o inverso. É pretender "o melhor" deixando o bom de lado.

Se a perfeição é boa e desejável, o perfeccionismo pode chegar às vezes a ser o contrário dela. Por outro lado, a perfeição é algo difícil de obter e o perfeccionismo algo demasiado fácil de conseguir, até o ponto de constituir-se em algo mecânico, completamente afastado da sensibilidade. Toda perfeição de alguma maneira é uma imagem da Perfeição e portanto uma aspiração por aquilo que se desconhece e se anseia receber. O perfeccionismo é ativo e pretende efetuar lucros para utilizar dividendos. Esta atitude é racional enquanto a primeira é intuitiva. Em termos cristãos a perfeição aspira à Vontade do Pai, enquanto o perfeccionismo tende à vontade do homem. Nesses mesmos termos se afirma: "Sede perfeitos como vosso Pai Celestial é Perfeito", mas está bem claro que esse Pai Celestial não está preocupado por fomentar sua própria perfeição, constituir a demagogia nem por "cultivar seu espírito". Desde que haja uma identidade entre esse Pai e o Cosmos, porque de jeito nenhum Ele está fora de sua própria expressão. Se o leitor de Agartha tende à perfeição, não é por um perfeccionismo auto-suficiente que presume de bastar-se a si mesmo, impressionar a terceiros, ou instituir fábulas. Pelo contrário, seus estudos, meditações, exercícios e práticas tendem à identificação com as leis e entendimento do Cosmos, pois deste modo conhecerá a perfeição do Pai.

 
9

O TRABALHO

 

No terceiro capítulo do Gênesis se narra como Yahvé disse a Eva: "Multiplicarei sobremodo os sofrimentos da tua gravidez", e a Adão: "Por ti será maldita a terra, com trabalho comerás dela todo o tempo de tua vida; dar-te-á espinhos e abrolhos e comerás das ervas do campo. Com o suor de teu rosto comerás o pão."

É importante destacar que isto acontece por conseqüência da tentação da serpente e da ingestão do fruto proibido, ou seja, como uma pena, imediatamente antes de serem expulsos do Paraíso. Em outros lugares deste manual se mencionou o significado da Queda em relação com as Eras e Ciclos, e o do simbolismo do Paraíso, vinculado a um "estado edênico", onde, por verdadeiro, todo esforço resultava desnecessário, estado que se espera recuperar. No entanto nos interessa tratar aqui o tema do trabalho, e em particular assinalar o conceito totalmente equivocado que sobre ele possui a sociedade em que vivemos, o que constitui às vezes um verdadeiro impedimento para o Ensino que esta Introdução à Ciência Sagrada propõe.

Referir-nos-emos em primeiro lugar à primazia da contemplação sobre a ação, idéia presente no hinduismo, no budismo, no judaísmo, no islã e, em geral, em todas as tradições. No cristianismo isto resulta nítido. Conta Mateus (VI, 26-30) que Jesus disse, no célebre Sermão da Montanha: "Olhai como as aves do céu não semeiam, nem ceifam, nem encerram em celeiros, e vosso Pai celestial as alimenta. Não valeis vocês mais do que elas? Quem de vocês com suas preocupações pode adicionar a sua estatura um só côvado? E quanto ao vestuário, por que vos preocupar? Aprendei dos lírios do campo, como crescem; não se fatigam nem fiam. Pois eu vos digo que nem Salomão em toda sua glória se vestiu como um deles." É conhecida também a vinculação simbólica que as duas irmãs de Lázaro, Marta e Maria (a ação e a contemplação), têm a respeito, e o juízo do Mestre sobre qual das duas leva a melhor parte.

Por outro lado, podemos observar, sem nos esforçarmos demasiado, que esta preferência pela contemplação é totalmente alheia ao meio no qual vivemos, assinalado por uma incessante ação, por uma projeção de desejos que, por serem tais como são, jamais poderão se cumprir, por uma angústia e insatisfação permanentes que desembocam na ignorância e necessariamente na violência e na destruição. Mas o que verdadeiramente é alarmante é que esta ação –qualquer que seja o sentido que ela tenha– é considerada como um bem em si; a tal ponto que a discutir, ou não, praticá-la é ser mau visto, ou condenado por esse meio, pois o tema passou a ser uma questão moral nascida da associação trabalho-bondade. No entanto, queremos esclarecer que nada temos contra um trabalho que seria verdadeiramente sagrado, e portanto autenticamente dignificante, se estivesse guiado pela Vontade e pelo Livre Arbítrio. O que se critica é o conceito moderno do trabalho pelo próprio trabalho, ou seja, sem nenhuma finalidade de ordem metafísica, e sua equiparação a um fim e não a um meio veicular. Conquanto esta última crítica poderia ser aplicada a outras áreas da atividade contemporânea (a arte pela arte, a ciência pela ciência, o psíquico e o emocional, simplesmente pelo psíquico e emocional, etc., etc.), o conceito moderno do trabalho –que em termos sociais só faz do homem um fator da produção econômica, individual ou coletiva– tem um ônus de alta potência destrutiva, quanto sua obrigatoriedade e necessidade geram no alma uma série de turbações morais e impedimentos materiais numa sociedade tão injusta como a qual vivemos.

Numa sociedade tradicional ou primitiva os "trabalhos" não são tais como conhecemos, pois não levam implícita a insatisfação do que só deve ser efetuado com sofrimento, a desagrado, ou sob a pressão de um peso arbitrário e alienante ao qual não se lhe encontra finalidade última, senão mal a mera subsistência num mundo sem sentido. Pelo contrário, nas sociedades arcaicas os homens realizavam seus trabalhos de maneira ritual e de acordo com suas funções, nascidas de suas possibilidades, que os fazia mais aptos para aqueles ou estes labores, que cumpriam então com gosto, em perfeita relação e interdependência com os outros do organismo social. É paradoxal que em certos manuais escolares e ainda em certos textos universitários se fale ainda da "escravatura" como uma etapa historicamente superada quando, um simples olhar ao meio em que habitamos, faz-nos ver que nossos contemporâneos não só são escravos do trabalho, e como tais vivem, senão das funestas conseqüências desse trabalho sem razão, começando pelas correntes da acumulação de riqueza –individual e social– pela própria riqueza, a saber: novamente a substituição de um meio por um fim. Queremos recordar aqui outro fragmento do Sermão da Montanha: “Não acumuleis para vós tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam; porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração."

O trabalho é para o homem, não o homem para o trabalho. A vida é para o homem, não é o homem um devedor ou um escravo da vida. "O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do sábado;" (Marcos II, 27).


fig. 24

 

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