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HISTÓRIA SAGRADA

 

O parêntese entre o final da Idade Média (que a tradição data em 1.314 com o desaparecimento da Ordem Templária) e os inícios do Renascimento, caracteriza-se por um período em que as estruturas da sociedade tradicional se debilitam e degeneram rapidamente. É uma época relativamente obscura, que assiste ao nascimento da Inquisição e ao início das censuras eclesiásticas contra qualquer expressão do verdadeiro esoterismo. De certo modo, a Tradição Hermética –junto com outras organizações iniciáticas– volta a se retrair sobre si mesma, seguindo o ritmo marcado pela inexorável lei cíclica de expansão-concentração a que estão sujeitos todos os movimentos da história e da vida. Além disso, à sombra desta tradição surgiram numerosos falsos alquimistas (os “sopradores de carvão”, como depreciativamente se lhes chamavam) que só pretendiam a fabricação do ouro físico, ignorando ou desprezando a vertente cosmogônica e metafísica do Ars Magna. Estes personagens (que hoje passariam pelos [chamados] "tradicionalistas", de diferente qualidade) fizeram bastante dano, pois com sua avareza e sua visão limitada ao puramente material desprestigiaram o trabalho dos verdadeiros adeptos, que por sua culpa tiveram que suportar diversas bulas papais condenatórias e inclusive perseguições e encarceramentos. Mas isto é tão somente o lado negativo que apresentam todas as épocas de transição, e em contrapartida o espírito do hermetismo continuaria iluminando as diferentes facetas da cultura do Ocidente. Assim, e apesar da cobertura protetora que sempre brinda uma civilização tradicional ter quase desaparecido, isso não impediu que numerosas individualidades (laicas ou pertencentes a ordens religiosas) continuassem mantendo e difundindo a ciência e o conhecimento herméticos, que terão uma grande difusão nas cortes européias, onde reis, príncipes e senhores se convertem em mecenas de alquimistas, magos, teúrgos e astrólogos. Deste modo prosseguem os contatos, nunca interrompidos, entre o hermetismo e as diversas ordens de cavalaria que subsistiram ou se criaram depois da dissolução da Templária. As gestas e aventuras iniciáticas contidas na literatura cavalheiresca dessa época manifestam uma clara influência da Alquimia, pelo que se deduz que o esoterismo hermético-cristão continuou existindo embora de forma mais secreta e velada. Outro tanto se pode dizer no referente à arte que, com exceção da arquitetura, conheceu uma particular difusão através da ourivesaria e das artes plásticas, ofícios que se inspiraram na mensagem cosmogônica e espiritual da Grande Obra. Aparecem também as primeiras gravuras coloridas, com as quais se introduz o elemento da luz e da cor na rica iconografia alquímica, que adquire assim uma indubitável beleza estética e simbólica. Mestres herméticos como João de Rupescissa, Nicolas Flamel, Hortulano, Basilio Valentim e Bernardo Trevisano, testemunharam com suas vidas e obras o vigor da Arte Real.

Deve se destacar que nestes tempos se estava produzindo a paulatina expulsão dos judeus não conversos da Espanha, efetivada em 1492. Este novo êxodo de um povo que já habitava a Península Ibérica (à qual chamaram de Sefarad, daí “sefardim”) desde vários séculos antes de Cristo (segundo algumas crônicas desde a primeira destruição do Templo de Jerusalém), fez possível que a Cabala penetrasse no resto da Europa, especialmente na Itália, França, Inglaterra e Alemanha. Nestes países, criaram-se importantes comunidades cabalísticas que intensificaram ainda mais, se é possível, os vínculos com o hermetismo. Por outro lado, foram judeus espanhóis que traduziram quase todas as obras herméticas do árabe ao latim e línguas vernáculas, graças a que adquiriram profundos conhecimentos sobre estas ciências. Muitos destes sábios foram também alquimistas e astrólogos. Assim, pelo conduto dos judeus a Tradição Hermética recebeu toda uma série de elementos doutrinais procedentes da Cabala, ficando definitivamente assimilados por ela, e se constituindo em parte integrante dela a partir de então.

 
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O NOME  I

 

Tudo o que escapa à atualidade de nosso conhecimento permanece como inexistente ao não poder nomeá-lo. Nomear é, pois, dar existência inteligível às coisas, resgatando delas sua identidade, sua qualidade e seu sentido universal. A esta faculdade exclusiva do homem sempre se considerou como um legado divino vinculado à intuição espiritual; não é sem motivo que seja o próprio Jehovah (YHVH) no relato da Gênese, quem outorga a Adão o poder de nomear todas as coisas, ou seja, o de atribuir função e destino a todos os seres e elementos deste mundo em relação a sua natureza essencial.

E embora o próprio mundo e a realidade nos antecedam, é enquanto possibilidade indefinida de descobri-los, de recriar a multidão de suas diferentes, mas articuladas, significações, que a vida adquire sentido. Todo verdadeiro conhecimento começa, efetivamente, pela evocação ou reminiscência de um significado cuja plenitude se pretende enlaçar; e os significados por sua vez cristalizam em um nome –equivalente a um signo, símbolo, código ou marca que sempre sintetiza um aspecto da realidade cósmica e universal, realidade cuja plenitude (unidade) é Deus ou o Ser em Si mesmo.

A linguagem, em especial a sagrada, não é mais que a articulação ritmada de todas as possibilidades inteligíveis dos nomes. Dada a universalidade das dez sefiroth, a doutrina cabalística lhes atribui a função e o papel de nomes –além da de numerações–, vinculados à identidade e o poder próprio de cada aspecto ou atributo determinado da divindade que eles expressam; outro tanto ocorre com o importante papel dado aos 99 epítetos sublimes de Allah na tradição islâmica.

Na Cabala, os nomes arquetípicos adotam cosmologicamente um papel polifacético, ao serem tanto relações ou energias vinculantes, quanto veículos da criatividade divina. Eis o motivo de que sejam considerados indistintamente como: inteligências, poderes angélicos (construtores e transformadores), idéias-força, proporções imutáveis, etc.; não é por isso casual que a ciência dos nomes e a arte de sua invocação formem parte essencial da metodologia e dos rituais iniciáticos de todas as tradições. O que no budismo é a recitação salmodiada dos mantras, é o japa no hinduísmo, o dhikr no islã, a própria oração em todas; em resumo, formas particulares de invocação ritual do nome divino.

Em um sentido menos universal, o nome segue também revelando, inclusive literalmente, a essência de seu portador. Pelo nome o indivíduo se diferencia dos outros indivíduos, sendo o que é e não outro. Pela forma se identifica, pelo contrário, com a espécie, da que é um representante particular. Paralelamente, os termos Nama-Rupa (nome e forma) designam, no hinduísmo, a essência e a substância de todo ser individual: as medidas cosmológicas de sua natureza específica, ou seja aquilo mediante o qual este ser participa simultaneamente –a seu nível– do universal (celeste) e do particular (terrestre); o nome, neste caso, simboliza a personalidade essencial, por assim dizer, o Si-mesmo deste ser que, sendo único e idêntico ao de todo ser, tem uma conotação propriamente universal, enquanto que a forma, sendo "específica", vincula-se a sua individualidade psicossomática particular, condicionada sempre pelos limites e leis do estado de existência que ocupa dentro da realidade cósmica.

Ultrapassar, neste sentido, as condições do nome e da forma, equivale a escapar das limitações próprias da individualidade e da espécie, acedendo ao informal e supra-individual, ou seja, aos estados superiores do ser.

 
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ASTROLOGIA

 

Tal como vimos o zodíaco em seu ciclo anual, dividido em doze signos mensais, também podemos vê-lo em um ciclo diário no qual a roda zodiacal faz um percurso aparente completo ao girar a Terra ao redor de seu próprio eixo. Alguns astrólogos consideram que, durante as vinte e quatro horas que seguem ao nascimento de uma pessoa, refletir-se-á toda sua vida. Para fazerem as observações, dividem a roda do zodíaco em doze Casas e fazem corresponder duas horas a cada uma delas. Isto determinará o signo ascendente e descendente do indivíduo e diversos aspectos de sua personalidade. Deve tomar-se em conta, ao realizar o cálculo das Casas, a latitude do lugar de nascimento, o dia do ano e a hora do dia. As Casas não são, como os signos, de 30° exatos, mas sim oscilam entre os 17° e os 60°.

Lembraremos o simbolismo das Casas e mostraremos como realizar os cálculos para confeccionar o Horóscopo. Mas repitamos que o fundamental é o conhecimento dos princípios, dos quais derivam as manifestações particulares.

I. Vita: É a casa do nascimento que indica as particularidades, tendências, talentos e potencialidades do indivíduo.

II. Lucrum: Refere-se ao plano material, os bens, riquezas e aquisições, assim como à alimentação e ao mundo físico.

III. Frates: Casa dos irmãos, e também da educação, a instrução e da adaptação ao médio. Relaciona-se com viagens menores.

IV. Genitor: É a casa dos pais e das características herdadas do meio familiar e social. Refere-se também ao patriotismo e às sucessões.

V. Filii: Esta casa está relacionada com os filhos, e em geral com o que o indivíduo produz, cria e engendra.

VI. Valetudo: Casa dos súditos, os escravos e os animais domésticos, é também do trabalho, os deveres e as obrigações.

VII. Uxor: Refere-se ao matrimônio, os afetos e as uniões, e também às alianças e as associações.

VIII. Mors: É a casa da morte e das grandes transformações. É também da decomposição e da putrefação.

IX. Peregrinationes: Casa das peregrinações e grandes viagens, está relacionada com a espiritualidade, a filosofia, a religião e o mistério.

X. Regnum, Honores: relaciona-se com os objetivos, as dignidades e a glória, assim como com a profissão, as ambições e as recompensas.

XI. Amici benefacta: Casa dos amigos, benfeitores e admiradores.

XII. Inimici: Nesta casa se vêem os inimigos ocultos, a prisão, o exílio, assim como as enfermidades, debilidades e doenças.

 
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HISTÓRIA SAGRADA: O RENASCIMENTO - I

 

Em parágrafos anteriores, vimos como todas as épocas históricas de que temos notícia desempenharam uma função específica no conjunto global do ciclo humano. O que se denominou “Renascimento”, e apesar de sua duração de apenas dois séculos, marcou definitivamente o que deveria ser a historia posterior da Europa e por extensão do mundo.

Com o desaparecimento do modelo de sociedade tradicional que na verdade representou a Idade Média, produziu-se uma crise de valores que penetrou em todos os âmbitos da vida e da cultura, manifestando-se, uma vez mais, um desses períodos críticos que de forma repetitiva e cíclica se dão na história da humanidade. O Renascimento surge como uma resposta a essa crise, mas por alguma razão que só é possível compreender quando se tem uma visão global e sintética das leis cíclicas, também preparou o caminho que inelutavelmente devia conduzir até a era de subversão anti-tradicional que representa o mundo moderno.

Na realidade, durante o Renascimento se produziu um fato que iria modificar radicalmente as estruturas sociais, políticas e religiosas que até então tinham imperado no Ocidente. Ao se fragmentar a unidade política de caráter supra-nacional que se conheceu na Idade Média –unidade fundamentada na convivência harmoniosa entre o poder temporal e a autoridade espiritual– surgem os estados e as nações, com a conseguinte afloração dos interesses egoístas e particulares dos governantes, unida ao poder cada vez mais amplo de um novo corpo social: a burocracia administrativa e a burguesia; o exoterismo religioso aguça seu dogmatismo, o que traz consigo uma ruptura com o esoterismo, que desde a desaparição da Ordem do Templo tinha visto diminuir enormemente sua influência espiritual.

Tudo isto traz aparelhado indevidamente um desconhecimento das relações simbólicas e sagradas que o homem mantinha com o universo. Nasce um conceito novo até então impensável: o humanismo, que reduz todas as coisas ao ponto de vista simplesmente humano, excluindo de seus esquemas qualquer intervenção direta do sobrenatural e divino.

Quando já não se compreende em toda sua extensão o símbolo, e seu poder evocador de outras leituras verticais desaparece, é perfeitamente lógico que o desejo de conhecimento, inato no homem, oriente-se e procure as respostas no plano exclusivamente horizontal e material. Esta é uma das razões pelas quais o Renascimento se caracterizou como a época dos grandes descobrimentos geográficos, e que se começasse a investigar o aspecto puramente mecanicista das coisas, deixando de lado ou ignorando o espírito que as anima.

Já ao final do Renascimento, homens como Descartes, com suas teorias empíricas e racionalistas, encarnaram essa visão dessacralizada do universo e do homem. Entretanto, tudo o que se disse até aqui não deixa de ser o ponto de vista mais exterior e periférico desta época de grandes contrastes que foi o Renascimento. Este também supôs uma continuação do pensamento tradicional do Ocidente, que não se perdeu de uma maneira definitiva, mas sim adotou outras formas de se expressar de acordo às novas condições de existência que se estavam gerando.


fig. 32

 
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HISTÓRIA SAGRADA: O RENASCIMENTO - II

 

Não é sem razão que a palavra Renascimento quer dizer um "voltar a nascer" de algo que já era, e não outra coisa distinta. Assiste-se nesta época a um poderoso ressurgimento da Tradição Hermética e das ciências a ela vinculadas como são a Alquimia e a Astrologia. Vemos igualmente como esta tradição se converte no receptáculo para onde confluem diversas correntes esotéricas e tradicionais. Assim, além da herança deixada pelo hermetismo cristão medieval (sobretudo através das ordens de cavalaria ainda vivas e de certas organizações iniciáticas como os "Fiéis de Amor", à qual pertenceu Dante) encontramos a importante contribuição da Cabala hebraica, que como conseqüência da paulatina expulsão dos judeus da Espanha, expandiu-se por quase todos os países da Europa, e em primeiro lugar na Itália, como dissemos. Ao mesmo tempo se conciliou a sabedoria cabalística com o cristianismo, que deu origem à chamada Cabala Cristã, cujo principal inspirador foi Pico de la Mirandola, discípulo de Gemisto Pleto e de Marsilio Ficino.

Um fato também significativo foi a queda do Império Bizantino em mãos dos turcos em 1.453, data que é habitualmente considerada como o início do Renascimento. Isto produziu que numerosos antigos textos gregos e alexandrinos (platônicos, pitagóricos e gnósticos) chegassem a Itália e se difundissem rapidamente, graças especialmente ao invento da imprensa, uma das grandes conquistas do Renascimento.

Em todo este conjunto de influências devemos destacar o "redescobrimento" da cultura greco-latina, que se evidenciou notoriamente na arquitetura, na pintura, na escultura e no pensamento filosófico. As novas técnicas da gravura que nascem com a imprensa são aproveitadas para plasmar o Conhecimento tradicional, dando-lhe ainda adornos de uma grande beleza plástica e simbólica, como foram o caso das gravuras de Dürer, Michael Maier, Basilio Valentino e tantos outros. O Liber Mundi (chamado do mesmo modo "Livro Mudo" por conter só imagens) dos Rosacruzes é uma clara amostra da utilização da gravura como meio de transmissão da doutrina. Criam-se em qualquer parte numerosas oficinas e escolas onde se acostumam as disciplinas cosmológicas e herméticas tomando para isso como suporte as artes e os ofícios.

Paralelamente a todas estas atividades criadoras, numerosos mestres herméticos do Renascimento foram homens de espírito e de disposição liberal, que tomaram parte ativa nos acontecimentos políticos e religiosos de sua época, que se caracterizou pela mais refinada sutileza em todas as formas culturais do que são ilustração e exemplo eloqüentes nas artes plásticas: Boticelli, Michelangelo, Leonardo, Benvenuto Cellini, etc., etc., arte toda ela carregada de sentido esotérico e onde as "figuras" e as "imagens" do discurso pictórico estão ligadas a idéias perfeitamente claras e de intenção didática e cosmogônica, tudo isto sem mencionar as maravilhosas técnicas formais destes artistas, e a magia de que faziam ornamento em sua realização, que através do tempo segue manifestando-se na atualidade.


fig. 33

 
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NOTA: MAGIA

 

Entende-se aqui por magia (sem desconhecer formas menores, ineficazes e perversas desta ciência) toda atividade ritual intermediária, dedicada a atrair as energias celestes à realidade terrestre, de acordo à doutrina das emanações cabalísticas que subordina o mundo elemental e corporal ao mundo anímico e astral, e ambos ao plano estritamente espiritual, ou em outra terminologia: intelectual. Por este motivo tanto as práticas cultuais, como os encantamentos, exercícios, concentrações, meditações, estudos, e especialmente a oração, devem efetuar-se tendo o ânimo e a inteligência postos nas verdades mais elevadas, no Deus supremo e incognoscível, além de sua própria criação. Isto fará com que estas práticas mágicas, ou melhor teúrgicas e celestes, que pressupõem um conhecimento cosmogônico e metafísico, sejam eficientes e adequadas proporcionalmente às necessidades invocadas. Por outro lado, este movimento descendente de energias e forças que se provoca tem que ser completamente subjetivo e interno, ou seja de exclusivo interesse do sujeito que as pratica em íntima relação com o benefício do Conhecimento. Sua característica tem que ser a da realização de um rito simpático e rítmico com o universo, e estas correspondências e analogias que se pretendem estabelecer devem ser efetuadas com um total desinteresse sobre coisas particulares; ou seja com um alto grau de "esvaziamento" e "impessoalidade", para que os eflúvios do mais alto se derramem sobre o "operário" ou aprendiz de mago, que desse modo possa aceder às verdades mais sutis e recônditas e às esferas mais altas do intelecto divino, a um ponto tal que seu próprio ser se encontre identificado em todo tempo e lugar com as mais transparentes emanações do cosmo e advirta sua unidade e majestade em todas as coisas, de uma maneira natural, pois estas verdades são já consubstanciais com seu próprio ser. Neste tipo de identificação com o universo e com o que está além dele, tem um papel extraordinariamente eficiente a Árvore da Vida Sefirótica, como modelo do universo e instrumento veicular e revelador (como o TARÔ) das energias intermediárias entre a Deidade mais alta e os seres e as coisas manifestados de forma material, ou elementar.

 

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