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ARQUEOLOGIA

 

É freqüente ver em quase todas as grandes e médias cidades do mundo museus arqueológicos que recolhem os monumentos e as artes da Antigüidade. Embora as origens da Arqueologia se remontem à Itália do Renascimento, podem encontrar-se vestígios dela em certos autores clássicos, como, por exemplo, o historiador Dionísio de Halicarnaso, que pôs o título de Arqueológica a uma de suas obras; entretanto, somente no século XIX que a Arqueologia se converte em ciência oficialmente aceita. Por outro lado é durante esse século que surgem quase todas as ciências que se dedicam ao estudo do passado do homem e da terra; assiste-se ao nascimento da antropologia ou etnologia, da paleontologia, da história das religiões, da geologia, etc. Poderia quiçá perguntar-se o porquê deste repentino interesse pelo passado, pelo pretérito, pelo antigo, e responderemos que isso só foi possível pelo fato de que no século XIX, e sobretudo no Ocidente, ter-se virtualmente perdido todo vestígio da Tradição, ao menos de uma maneira visível e externa, pelo que era perfeitamente lógico que o homem começasse a esquadrinhar nos fragmentos de seu passado histórico para assim reconstruir o que foi a vida de seus antepassados, pois a sua própria sumia em uma cada vez mais estéril mediocridade. Acontece também que no século XIX é quando se acabam de consolidar definitivamente o positivismo materialista e o racionalismo, que vinham sendo incubados desde já fazia tempo, que deviam influir decisivamente na mentalidade da época. Deste modo, pode ser dito que tais ciências foram o resultado dessa visão excessivamente voltada para o exterior, que por certo é a que ainda impera na maioria dos arqueólogos oficialistas, que a projetam nos próprios objetos de seu estudo. Estes se empenham em não ver em seus achados outra coisa que restos mais ou menos interessantes e curiosos, aos quais terá que classificar (e enquadrar) segundo uns parâmetros que eles mesmos estabeleceram para sua comodidade investigadora.

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Outra conseqüência igualmente equivocada, produto dessa mentalidade positivista, é a de não se atentar para as diferenças qualitativas que se dão entre os homens e civilizações das diferentes épocas e períodos históricos, como se o tempo transcorresse uniformemente e fora homogêneo. Assim, segundo esse critério, a mentalidade do homem moderno, alheio por completo a qualquer intuição e sentimento sagrado e transcendente, seria idêntica à do homem das sociedades tradicionais, que pelo contrário considerava que todos os atos de sua existência cotidiana estavam impregnados de sacralidade. Se a Arqueologia, através das análises e trabalhos de escavação, trata da reconstrução da vida das sociedades antigas, essas mesmas investigações não deveriam estar desvinculadas de um rigoroso conhecimento da história e da geografia sagradas, quer dizer, do tempo e do espaço qualitativos, como tampouco serem alheias às relações que existem entre os diversos modos e comportamentos culturais e espirituais dos homens que integraram essas mesmas sociedades.

Visitar um museu de Arqueologia é em certo modo recuperar o sentido da atemporalidade. Todas as peças, numeradas e catalogadas, estão ali como resistindo ao tempo, negando-se a deixar de existir definitivamente. Alheios a qualquer prejulgamento, daremos conta de tudo o que o homem, inspirado nos princípios metafísicos que formaram sua civilização, é capaz de criar, de fazer, de edificar, em definitivo de plasmar na pedra ou qualquer outra matéria ou substância, refletindo a beleza de seu mundo interior. Pois essas colunas e arcos, essas esculturas, pinturas, cerâmicas, baixos-relevos, mosaicos são símbolos e gestos que o rito do trabalho artesanal pacientemente elaborou e fixou: de repente toda a cultura humana está aí representada. Um museu arqueológico é na verdade um discurso onde se expressa o antigo (este é precisamente o significado etimológico de arqueologia), termo que não deve ser confundido com o velho e o caduco; melhor se relaciona com tudo aquilo que é perene e que reflete as idéias ou arquétipos universais. Neste sentido, o antigo é perfeitamente atual. E um museu arqueológico pode ser um lugar excelente de meditação (assinalemos que a palavra Museu procede de Musa) se o abordarmos não com olhos de "especialista", mas sim como se tratasse de uma evocação poética onde com toda probabilidade encontraremos uma parte ou aspecto esquecido de nós mesmos.

 
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ALFONSO X, O SÁBIO - I

 

Por razões históricas e geográficas, Toledo é o centro da Península Ibérica. Também o é por razões simbólicas e metafísicas, e a Tradição assinala, por um lado, a antigüidade desta cidade, que se remonta à origem dos tempos, ou seja, do tempo mítico, e por outro, a sua relação com a Atlântida, também presente nas raízes TL de seu nome. Queremos nos referir neste trabalho a Alfonso X, o Sábio, verdadeiro ponto central da história da Espanha (à qual, por outra parte, recompilou), como o monarca mais importante de Castela, que deu à Espanha sua unidade, sua língua, e inclusive sua época de hegemonia mundial, incluindo a conquista da América.

Na história da Espanha medieval se sobressai a figura eminente do rei castelhano (1221-1284), filho por sua vez de outro grande rei, Fernando III, o Santo. Alfonso X era chamado o Sábio sem dúvida devido aos vastos conhecimentos que possuía sobre as diversas disciplinas e ramos do saber. Ele deixou escrito que um rei, para ser considerado como tal, deve ser o primeiro dos homens em conhecimento e sabedoria, pois só assim advém o reflexo na terra da Inteligência Suprema. Além disso, Alfonso X, por sua dupla condição de rei e sábio, reunia em sua pessoa a síntese entre o poder temporal e o espiritual, que como já sabemos constituem as qualidades principais de todo verdadeiro Imperador. Possivelmente esta foi a razão (além de questões dinásticas e de herança nas quais não entraremos) pela qual, durante grande parte de seu reinado, pretendeu a coroa do Sacro Império Romano-Germânico. Acreditava ser descendente da linhagem imperial que vem desde Alexandre Magno, passando pelos imperadores romanos, até seu tio Frederico II. E, além disso, para Alfonso X esta linhagem tinha origens celestes, já que tinha sido instituída pelo próprio Júpiter, a quem via como uma prefiguração greco-romana de Cristo. Se não o conseguiu foi devido às disputas e interesses da política que em ocasiões empanaram os vínculos entre a realeza e o papado.

Com toda segurança, o que aconteceu posteriormente na história européia teria tomado outros rumos se Alfonso X tivesse sido entronizado como Rex Romanorum. Não obstante, isto não foi óbice para que o frutífero trabalho do rei sábio exercesse uma notável influência no terreno da filosofia, das artes e das ciências de seu tempo e, o que é mais importante, que esse trabalho estendesse uma ponte entre as culturas tradicionais do Oriente e do Ocidente.

Graças à Escola de Tradutores de Toledo (auspiciada por seu pai Fernando, quem tomou como modelo as criadas séculos antes pelos califas omíadas de Córdoba), a riqueza da civilização e cultura islâmicas (e através destas, da filosofia grega) puderam ser conhecidas na Europa cristã. Nesta escola, a mais importante da época, participavam por igual doutores e sábios árabes, judeus e cristãos, o que refletia o espírito de convivência que caracterizou, durante grandes períodos da idade média hispânica, às três tradições do tronco abraâmico.

Os livros e tratados sobre astronomia, alquimia, música, medicina, geometria, agricultura e outras artes e ciências herméticas, hebraicas e árabes, foram traduzidos ao latim e às diversas línguas românicas e vernáculas faladas na Europa. Igualmente o idioma castelhano, ao qual também foram traduzidas muitas dessas obras, experimentou um enorme enriquecimento graças, sobretudo, à influência árabe, convertendo-se também no veículo de uma cultura.


Escudo de Toledo.

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A CIZÂNIA

 

A parábola evangélica da cizânia (Mateus XIII, 24-30 e 36-43), entre outras significações de ordem espiritual, também nos ilustra a respeito da dualidade implícita no processo iniciático, ao menos até certa etapa deste.

Na iconografia alquímica, representa-se com freqüência a imagem de um agricultor que pulveriza sementes em seu campo, já preparado para o arado, que é acompanhado por um anjo (princípio supra-humano ou Eu do homem) que parece lhe sussurrar palavras celestes ao ouvido. O campo é nossa alma, e o grão de trigo é a semente do Ensino e do Conhecimento, sendo necessário, para nossa saúde interior, que frutifique e se faça poderosa.

Mas em nós também existe o mau semeador, que de maneira furtiva, e amparado nas sombras da noite e da ignorância, tenta destruir, semeando cizânia, a obra começada, desviando-nos do caminho que a razão e intuição superior nos diz que é o que devemos seguir. Este mau semeador é o "ego", a alma inferior, cujo alimento e sustento são os frutos "deste mundo".

Entretanto, a mesma parábola nos explica que não devemos nos precipitar e cortar a cizânia recém brotada, pois se corre perigo de cortar deste modo o broto de trigo. No princípio, e enquanto se desenvolvem, terá que os deixar crescer juntos.

Para a economia divina, que se expressa como ordem cósmica, o bem e o mal, ou melhor, clemência e rigor, supõem uma dualidade fundamental e imprescindível, deixando entrever por isso mesmo a idéia da unidade ou equilíbrio conciliador dos opostos no Amor e na Beleza inteligíveis. De entrada, não devemos desprezar quão negativo há em cada um de nós, pois sua presença nos oferece o contraste da sombra e do reflexo invertido.

Levado ao plano psicológico, "não dever cortar a cizânia até que tenha crescido" quer dizer que é necessária a manifestação de todas as tendências inferiores que levamos dentro, já que as ocultar poderia supor, por um lado, o desconhecimento de uma parte de nosso ser, e por outro –haja vista que, de uma maneira ou outra, essas tendências existem–, é provável que ao final, se não forem expressadas ao exterior, acabem escavando o melhor de nós mesmos.

Mas é importante o não esquecer que isso deve ser feito amparado na Doutrina e na Tradição, que atuam como moldura protetora (sagrada). Só assim o inferior poderá ser canalizado, purificado e transmutado (pelo fogo sutil) num elemento superior, que na parábola fica exemplificado pela dourada espiga de trigo, fruto que simboliza o estado de regeneração iniciática e espiritual.


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GEOMETRIA

 

O universo inteiro é uma dança cujo sentido só se pode achar nos traçados invisíveis que ela forma. A Geometria se ocupa do estudo destes padrões e ordens harmônicos que, longe de serem estáticos, são reflexos de idéias geradoras. O Oriente desenvolveu estes padrões que irradiam de um centro e que em sânscrito se chamam mandalas, como suportes para a meditação.

A Divina Comédia, escrita nos inícios do século XIV, apresenta uma viagem através dos padrões do destino de acordo com as concepções cristãs medievais. O inferno, o purgatório e o céu são concebidos como imensos mandalas.

Recordemos que o estudo da Geometria foi recomendado por Platão como um verdadeiro caminho de iniciação, já que não é mais que a manifestação visível de harmonias invisíveis que podem ser percebidas como sensações num espaço fisiológico, como emoções num espaço psicológico, ou como formas geométricas num espaço abstrato. O tipo de relação determina o ser que se concebe e é por isso que ser e conhecer são equiparáveis.

Só a consciência é capaz de perceber a transparência entre as formas geométricas insubstanciais e as formas mutáveis e transitórias deste mundo. A arquitetura da existência está determinada por um mundo invisível e imaterial, composto de forma e por isso de geometria.

Efetivamente, como o testemunha toda a Sabedoria Tradicional, existe uma unidade profundamente arraigada, que subjaz às múltiplas diversidades aparentemente caóticas deste mundo.

Esta ordem preexiste, manifesta-se em simples relações proporcionais, criando padrões que em sua harmonia refletem à totalidade e dão forma tangível a uma ordem intangível. No mundo manifestado, a unidade se reflete como polaridade, já que só pode conceber-se em termos de "mais algo" e "menos algo". Entretanto a polaridade se refere aos opostos, mas sem indícios ainda de que algo nasce deles. A proporção é o que nasce desses limites compartilhados: é uma relação e por sua vez um limite que nos abre a porta ao ilimitado.

Por harmonia entendemos uma ordenada e agradável união de diversidades; já a origem da palavra harmonia o diz: do grego armos = juntar.

Os mil e um seres nascem da união entre opostos que se complementam, e a aparência material não é mais que o entrelaçamento de energias e polaridades em diferentes proporções e harmonias, que produzem a variedade de qualidades desta.

O Livro das Mutações ou I-Ching está baseado no reconhecimento de que as diversidades sempre mutáveis da existência têm uma unidade subjacente de ordem, no qual tudo está relacionado com tudo. O fundamento desta ordem é a unidade dos princípios escuro (Yin) e luminoso (Yang) que, combinados de todas as maneiras possíveis, simbolizam as diferentes situações básicas da vida.


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ALFONSO X, O SÁBIO - II

 

Foi precisamente sob o reinado do Alfonso X quando a Cabala conheceu sua época de maior esplendor, escrevendo o Zohar e outros textos sagrados da tradição judaica. Digamos que, sem a visão universal do acontecer histórico que possuía Alfonso X, o Ocidente tivesse entrado em um processo de decadência muito mais acentuado e rápido que o que se conheceu entre os séculos XIV e XVII, decadência que encontra sua expressão mais clara em nossos dias. Tampouco tivesse sido possível, com a intensidade com que se produziu, o ressurgimento das doutrinas herméticas durante o Renascimento. Por exemplo os sistemas astronômicos e astrológicos elaborados naquela época tinham suas fontes nas traduções alfonsinas.

Uma das obras nas quais Alfonso X interveio mais diretamente, além da História Geral foi o Setenario, onde se recolhem diversas matérias cosmológicas, teológicas, históricas, jurídicas, além de alguns dogmas e sacramentos próprios da tradição cristã. Mas Alfonso, o Sábio, destacou-se também como um poeta que cantava a alma do Mundo, sua beleza e harmonia, que viu encarnada na figura da Virgem Mãe. Alfonso X se considerava um humilde trovador da Virgem, e em suas Cantigas da Santa Maria são narrados alguns dos milagres intercedidos por nossa Senhora, inclusive vários deles acontecidos na própria pessoa do rei. Entretanto terá que assinalar que o culto à Virgem não tinha na Idade Média o caráter de beatice simplória que teve posteriormente, e embora exotericamente sua influência espiritual mantivesse um laço de união entre a devoção popular e o sagrado, esotericamente era considerada como a "Rainha do Mundo", e portanto mãe espiritual dos iniciados. As Cantigas de Alfonso o Sábio não estavam tingidas de um vago misticismo; mais ainda, ao serem musicadas advieram com freqüência verdadeiros hinos oferecidos a Vênus Urânia, a deusa da Sabedoria, do Amor e da Beleza, três virtudes celestes que sem dúvida este grande rei quis que fossem as pedras angulares de sua extensa e importante, também para nós, obra cultural.


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A TRADIÇÃO E A MENSAGEM

 

A tradição se transmite de maneira horizontal e fecundou diferentes civilizações e individualidades. Mas isto foi possível mercê à permanente reatualização vertical da Tradição Universal, que se revela com novas formas (de acordo a um concerto de forças que se entrelaçam harmonicamente e que incluem em sua orquestração as circunstâncias pessoais daquele, ou daqueles que a encarnam e a transmitem), regenerando assim a Tradição Originária, o que permite a continuidade da cadeia de união ao longo da História e a possibilidade sempre presente da iniciação, da realização espiritual, da metanóia. Por outra parte esta urgência de transmitir a seus semelhantes esta Mensagem, que sentem aqueles em quem a doutrina e o símbolo se vivificaram, encontra-se particularmente aguçada nos tempos atuais, onde um fim de ciclo obriga a redobrar energias na realização vertical, como igualmente na difusão horizontal.

 
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O HERMETISMO MEDIEVAL  II

 

No Ocidente, o século XII representa a expansão das ordens monásticas e da cavalaria, entre as quais se destaca a do Templo, que são as que detêm praticamente a totalidade da doutrina e do saber tradicional. Não é de se estranhar, pois, que fossem em sua grande maioria clérigos, abades e homens de igreja os que, em suas peregrinações, serviram de enlace na propagação do Hermetismo no continente, sem esquecer as relações que entre si mantiveram a cavalaria cristã e islâmica. Mas a tradição de Hermes, com seus mistérios mágicos e teúrgicos, infunde no espírito do homem medieval um amor para a natureza que no Ocidente não se conhecia desde a Antigüidade greco-latina; amor que é motivado também pela influência que nesse tempo exerceu o "Cantar dos Cantares" de Salomão. "Redescobre-se", por assim dizer, a dimensão sagrada da Natureza, sua beleza transcendente, que se concebe como uma hierofania onde o divino e sobrenatural se faz presente no próprio seio da “matéria”. Natureza, enfim, visualizada como uma Mulher ao mesmo tempo Virgem –Natura Naturans– e também Mãe –Natura Naturata–, que ao receber em sua substância as sementes do Espírito, procria e dá vida (e por isso mesmo devora e mata) às inumeráveis formas que manifestam a unidade do cosmos, pleno assim de significado simbólico. Por tudo isso, o corpo humano, o microcosmos, é dignificado e devolvido a sua função analógica de refletir em cada uma de suas partes à totalidade do macrocosmo, seguindo nisto a máxima hermética de que "o de baixo é igual ao de cima...".

Tendo sempre presente esta imanência do divino na Natureza, as obras do Alain de Lille, Hildegarde de Bingen, Bernardo Silvestre, Honorius Augustodunensis, e tantos outros, abundam em correspondências simbólicas entre o homem e o Cosmo. Os ossos, as unhas, os cabelos e os sentidos se relacionam com as pedras, as árvores, as plantas e ervas, os animais... Na cabeça, redonda como o firmamento estrelado, reside a inteligência e a mens luminosa, comparando-se com o céu das estrelas fixas que rodeiam o zodíaco, e cujo giro perene é impulsionado pelo sopro divino. O peito, e mais concretamente o coração, alberga as emoções e sentimentos superiores vinculados com os deuses e as entidades angélicas. A parte inferior e instintiva corresponde propriamente ao homem físico e à terra. Todas estas correspondências são reveladoras de uma cosmosofia que servirá de base para o posterior desenvolvimento da Filosofia Oculta do Renascimento.

Mas antes deve chegar o século XIII e a definitiva consolidação do Hermetismo, que de forma sutil e vivificante penetra, como já dissemos, em virtualmente todos os círculos intelectuais, artesanais e esotéricos. Por outro lado, não terá que esquecer as diversas correntes da Cabala hebraica, cujo centro de irradiação está na Espanha e na Provença francesa. Neste século, a concepção filosófica, cosmológica e teosófica da Idade Média encontra sua mais plena expressão na catedral gótica, que, como o templo românico, constitui um compêndio do universo material e espiritual. Esculpidos na pedra (sentida como matéria viva e não inerte) descrevem-se os diversos reinos da Natureza elemental, o mundo intermediário com seus monstros guardiães e seres fabulosos, o gênero humano representando cenas exemplares e da história sagrada, as hierarquias angélicas e celestes, e finalmente, presidindo todo este conjunto matizado que se eleva em vertical para o céu, a figura da divindade em atitude de presença imutável. Esta visão escalonada de baixo para cima e de cima para baixo, sugere a idéia de uma transmutação alquímica ligada deste modo à descrição de uma geometria sutil do cosmos que a própria catedral expressa, com a planta quadrada (ou retangular), as colunas, e a cúpula circular arrematada com a "chave de abóbada". O círculo (céu) que engloba o quadrado (terra) ou o quadrado que emoldura o círculo, simbolizam a interpenetração do tempo e da eternidade no devir da existência manifestada. Esta geometria filosofal formava parte dos ensinos pitagóricos e platônicos transmitidos em grande medida pelo Hermetismo aos arquitetos construtores, que não eram outros que os maçons e companheiros operativos. Efetivamente, junto aos grêmios de construtores, trabalhavam em perfeita harmonia os astrólogos, magos e mestres alquimistas; e essa convivência, selada na catedral, era uma amostra da definitiva síntese que durante séculos se forjou entre a filosofia hermética e a espiritualidade cristã, de onde surgiu o chamado hermetismo cristão e do qual deveria sair também o código do TARÔ, tal e como chegou até nossos dias. Igualmente, dessa confluência doutrinal entre ambas as tradições, nasceram várias organizações heterodoxas e iniciáticas que, como os “Irmãos do Livre Espírito” e os “Fiéis de Amor” (estes últimos estreitamente vinculados com a Ordem do Templo) propugnavam uma iniciação baseada nos mistérios do amor (cantados também por jograis e trovadores) como uma forma de aceder ao Conhecimento: a mulher como personificação da Sophia (sabedoria) divina, que tão somente se descobre ao homem quando a alma ou psique foi alquimicamente reduzida à “matéria prima”.

Assim que à abundante e bela criação literária da época, o rastro hermético se deixará sentir poderosamente, como no célebre "Romance da Rosa", de conteúdo épico e cavalheiresco, onde se descreve a gesta iniciática da busca do Templo interior (a Jerusalém Celeste), prefigurada já na arquitetura do Templo do Salomão. Mas o hermetismo cristão também estaria presente em homens de Igreja da talha de Mestre Eckhart, São Alberto Magno, São Boaventura, Roger Bacon, Michel Scot, Robert Grosseteste, e inclusive em papas como João XXI e Silvestre II (este no século XI). De novo na Península Ibérica encontramos o médico e alquimista catalão Arnau de Vilanova, em cuja obra "O Rosário dos Filósofos" destaca as correspondências existentes entre a paixão, morte e ressurreição de Cristo e os processos da Grande Obra. Pela mesma época, na Espanha também, o judeu Moisés de León escreve o Sefer Ha Zohar ou "Livro do Esplendor", obra fundamental, junto com o Sefer Ha Yetsirah, da Cabala hebraica. A Cabala teve uma notável influencia no filósofo e teurgo marroquino Ramón Llull, criador de um sistema astrológico-alquímico, o “ars combinatoria”, baseado nas combinações e permutações entre as diversas letras, nomes e atributos divinos relacionados com as figuras geométricas primitivas do triângulo, do círculo e do quadrado, figuras que simbolizam cada um dos três mundos. Este é um sistema doutrinário completo e coerente que recolhe o essencial da teosofia cristã (especialmente dos neoplatônicos Dionísio Areopagita e Scoto Erígena), da Cabala (Moisés de León e Abraham Abulafia) e também do Islã. Graças ao “ars combinatoria” o adepto pode comunicar-se com todos os planos do universo, ascendendo e descendendo pela escada da Arte do nível mais inferior até a Deidade inefável. De algum jeito Ramón Llull foi o primeiro em combinar os nomes divinos hebreus e cristãos, e com toda segurança em sua obra se inspiraram os magos e humanistas do Renascimento que iluminaram o importante movimento hermético da Cabala Cristã.

 
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METATRON

 

No Módulo I, título N.º 69, falávamos do Metatron e o associávamos com o arcanjo Miguel; queremos ampliar aqui um pouco o tema desta figura enigmática da doutrina cabalística. Começaremos dizendo que seu nome é equivalente numericamente no nome Shaddai (314), que significa "o Todo-poderoso", e em certas ocasiões o vê como o par da Shekhinah, a imanência divina. Tal é sua importância que às vezes o confundiu com o princípio chamado Moisés e até com o próprio Demiurgo.

Indefinido e sutil, é o grande intermediário, guardião, enviado e mediador; é Sar Ha Gadol, "Grande Príncipe", e Kohen Ha Gadol, "Grande Sacerdote", segundo René Guénon, que regula as relações do céu com a terra. Percorre a Árvore da Vida desde Kether a Malkhuth, morando alternativamente em Tifereth (e aqui se o assemelha com Cristo) e Yesod. Suas ascensão e descida são axiais.

Mas também a Cabala reconhece um lado escuro em Metatron e portanto na Shekhinah. Ao separar o mal do bem, as escórias (Keliphoth) formaram um Adão invertido: Adam Belial, e portanto há um Metatron invertido, a face escura do anjo Mikael: Samael, anjo que tem submetidos a inumeráveis demônios, entidades ctônicas e não urânicas, terrestres e não celestes, que são invocadas às vezes nos ritos mágicos.

A Shekhinah é a imagem de Deus –emanada d'Ele mesmo– que o faz inteligível, e está implícita em toda a Criação. Seu par masculino, Metatron, é a potência divina em ação.

 

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