39 | ACAPITE |
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Como o Amor –ao
qual se encontra indissoluvelmente unida– a Beleza é um
nome ou atributo divino, conforme mostra e exemplifica a sefirah Tifereth,
também chamada Harmonia como sabemos. Devido a seu caráter
universal, a Beleza não é patrimônio de ninguém,
e certamente escapa às classificações da arte
e do artista moderno, que só percebem dela o estético
e superficial, quando não simplesmente a negam, apostando pelo
realmente grotesco e confuso. A maioria dos que se autodenominam "artistas" esquecem
que a beleza é um permanente assombro que se acha implícito
na textura mutável e multifacetada da vida, e o que é mais
importante, na essência e no próprio ser das coisas e
dos seres. Ela se identifica com o inapreensível, com o que
não pode ser medido nem computado, mas sim experimentado como
um tipo de emoção intelectiva e supra-racional, capaz
de produzir aquela necessária "ruptura de nível", que
faça possível o contato direto com as realidades espirituais
que, ademais, toda a criação constantemente revela e
sugere. Por isso sempre foi considerada como uma energia intermediária
entre o humano e o divino, entre o horizontal e o vertical, tal como
o símbolo, e como este é um veículo que nos conduz
ao Conhecimento.
União dos contrários aparentes, ou conjugação em uma só entidade do sujeito que conhece e do objeto conhecido, a Beleza é o reflexo no cosmos da Unidade Arquetípica que, germinando no coração do homem, leva-o ao conhecimento de si mesmo e do mundo mediante o arrebatamento que produz seu contato. Neste sentido, a Beleza participa tanto do êxtase dionisíaco (relacionado com a atração e a vertigem para as energias telúricas e terrestres) como do apolíneo, onde este êxtase se transforma em contemplação para as formas puras. Este é o caso do Platão, para quem as figuras do círculo e do quadrado proporcionavam a contemplação da Beleza absoluta. As artes sagradas e tradicionais aglutinam estas duas maneiras de conceber a Beleza, que devido ao temperamento dos homens que as realizam podem expressar uma ou outra forma, ou ambas de uma vez, pois na realidade são complementares, como o são a Terra e o Céu. Por exemplo: um ícone cristão e a voluptuosidade de formas de uma deusa pagã podem, no fundo, sugerir a mesma idéia. Seja como for, intuir a verdadeira Beleza, e ser uno com ela, pode acontecer em qualquer momento, não importa a causa, pois então já não seremos os mesmos, com nossos falsos complexos e prejulgamentos, senão que nos terá dado a graça de participar do rito de uma dança total, da qual nada, nem ninguém, fica excluído. |
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Toda Terra Santa, ou Sagrada, própria a cada tradição, é o símbolo da Terra Arquetípica, que se manifestou visivelmente ao começo do atual ciclo terrestre e humano. Esta foi a residência do Centro Supremo ou Grande Tradição Primitiva, a qual teve que se ocultar e se fazer invisível (passando a outro plano) quando as condições nas que era possível sua existência se tornaram difíceis. Geograficamente, o Centro Supremo esteve situado aproximadamente no que hoje é o Pólo Norte, que os gregos denominaram a Hiperbórea, e que naqueles primeiros tempos conservava condições climáticas mais benignas que na atualidade: uma "primavera perpétua" como assinalam algumas tradições. Isto se deveria, como já se disse antes, ao feito de que o eixo terrestre não estava inclinado com relação ao eixo celeste, acontecendo que não existissem a sucessão das estações. É de notar, além disso –e para se perceberem as analogias que existem entre a ordem física e a espiritual–, que o Pólo Norte representa a região que é tomada como referência orientadora vertical de qualquer lugar da superfície terrestre (embora isto seja hoje assim pela globalização cultural e pela representação da Terra como esfera); o extremo Norte é também o extremo superior do eixo vertical que atravessa a Terra, e portanto o centro ao redor do qual se cumpre a rotação desta, sendo o único lugar (junto com o Pólo Sul) que permanece estável e sem girar em dita rotação. Neste sentido, é perfeitamente normal que fosse a região polar a primeira em albergar a Tradição Primitiva, pois esta é também a origem e o centro doutrinal invariável de todas as demais através dos tempos; seu permanente ponto de referência axial. Seu recolhimento e ocultação supôs o surgimento das diferentes formas tradicionais e o estabelecimento dos respectivos centros geográficos sagrados, que eram, e seguem sendo, os reflexos do primeiro (ver "A Montanha e a Caverna", Módulo I - N.º 70). São os casos de Jerusalém para o judaico-cristianismo, de Meca para o Islã, Delfos para a Grécia clássica, Roma para as tradições itálicas e ainda para o Catolicismo atual, Tebas para o antigo o Egito, Babilônia para as culturas mesopotâmicas, a mítica Aztlán (Atlântida) para as culturas centro-americanas, Cristianópolis ou a "Cidadela Solar" para o Hermetismo Rosa-Cruz, etc. O nome originário do Centro Supremo foi o de Tula, ou Thule, a "Balança", ou também Síria, a "Terra do Sol", expressão que indica uma transposição celeste e luminosa do espaço geográfico. Tula designa a constelação da Ursa Maior que com suas sete estrelas –número de perfeição– assemelha-se a uma arca girando em volta da estrela Polar, morada simbólica da Grande Unidade ou Arquiteto do Universo. A estrela Polar é o Topo, o Zênite da Montanha Cósmica, Árvore ou Eixo do Mundo, de onde partem, segundo as direções do espaço, os quatro rios sagrados portadores da Água de Vida Celeste. |
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NOTA: |
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Em diversas tradições, o Paraíso é representado pelo coração, que é o centro do estado humano, equivalente ao "Coração do Mundo", ao "Santo Palácio" interno, ou a Brahma-Pura (a "Cidade de Brahma"). Por isso há que se entender a existência de uma analogia entre a Geografia mítica ou sagrada e o próprio espaço interior ou espiritual do homem. Nesse espaço também se encontram comarcas e regiões que são apenas estados de consciência que o ser vai reconhecendo nas diferentes etapas ou graus de sua evolução espiritual. "O Reino de Deus está dentro de vós", diz o Evangelho; e o lamaísmo budista: “Shambala (a Comarca Suprema ou Paraíso) está em nosso coração". À luz dessas concepções, o espaço geográfico se transforma em seu arquétipo celeste, onde se vislumbra o atemporal. A beleza do mundo, de Malkhuth, é o reflexo da Beleza, de Tifereth. As visões enlevadas de certos místicos descrevem uma geografia situada em outro plano da realidade, onde se produzem as teofanias e se revelam as entidades angélicas e divinas. É a "Terra dos Bem-aventurados", dos "Viventes", dos "Antepassados Imortais", à qual, entretanto, "não se pode chegar nem com naves nem carros, a não ser somente pelo vôo do espírito". A este respeito nos dizem os mestres herméticos: "O Paraíso está ainda nesta terra, mas o homem está longe dele até que não se regenere". Agartha é a gruta que se oculta na montanha, localizada-se no mesmo eixo que a sumidade, como a cripta no templo. |
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VISÃO |
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A prática
da Geometria e da Meditação são métodos
de purificação do "olho da alma", que cultivam a capacidade
da Visão ou faculdade de contemplar a Verdade: faculdade chamada
também Inteligência do coração, a única
que pode unir o mundo manifestado com sua Origem.
Esta visão difere muito da capacidade visual que ordinariamente usamos e requer uma penetração da realidade, em mais de um sentido. A vista e o ouvido, embora relacionados em suas funções, operam de modos muito diferentes: a inteligência óptica, para pensar, cria uma imagem em nossa mente, é indireta, analítica e seqüencial, enquanto que a auditiva é direta, sem imagem, e evoca uma resposta imediata. É ela a que percebe padrões de relação e configurações no espaço. É, desta forma, ela a que se associa com o hemisfério direito do cérebro, enquanto que a vista, de caráter temporário, associa-se com o esquerdo, que mede e analisa de maneira racional, para empregar uma descrição simbólica. É este "modo direito", ou "maneira reta", o que permite penetrar no aspecto esotérico do símbolo, e compreender seu sentido, porque pode perceber opostos em simultaneidade. Quando a capacidade auditiva e a visual estão "centradas", "escutam-se cores" ou "vêem-se músicas". Por meio da Geometria, os pitagóricos conjugavam e equilibravam os opostos perenes e uma vibração escutada chegava a converter-se em forma visível e igualmente um ritmo visual se expressava em harmonias audíveis. |
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TARÔ |
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A ANALOGIA |
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No Módulo I, título N.º 24, dedicado à analogia, referíamos-nos à inversão de duas ordens simbolizada pelo Selo de Salomão. Só adicionaremos que o único aparece misteriosamente como múltiplo, assim que se reflete no prisma da manifestação, e até muito mais quando o faz nas modalidades do individual. Por isso as conhecidas reservas da Tradição a este respeito, ao reiterar o caráter ilusório e relativo das aparências, que sendo imagens reflexas e invertidas da realidade, são tomadas infelizmente por ela mesma. Confundimos o símbolo com o simbolizado. A mesma proposição hermética: "o que é acima é abaixo", exige uma interpretação correta das correspondências, já que o de "cima" se acha simbolicamente expresso pelo de “baixo”, mas em sentido inverso. "Os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos". O pecado, o engano e seu comum denominador, a ignorância, são apenas a idolatria do irreal e ilusório. Um puro absurdo que deixa de sê-lo na medida em que o ser toma consciência efetiva do verdadeiramente real e eterno. O veículo por excelência do pensamento é o símbolo, e a essência deste a analogia. Efetivamente, a analogia não é uma mera associação de conceitos mentais, assim como o símbolo não é tampouco uma "definição", já que como tais não escapariam então às limitações racionais e morais humanas. A própria presença inteligível da Idéia evoca e sugere indefinidos aspectos de si mesmo, despertando sempre novas e distintas perspectivas da realidade, engastadas permanentemente em sua síntese sagrada. Como instrumentos de aplicação, tal qual os números e as letras, símbolo e analogia permitem articular por meio de relações de semelhança, feitos ou realidades que a primeira vista nada têm em comum, a não ser sua própria contingência. A relação necessária de continuidade entre o todo e a parte, entre Deus e o mundo, e vice-versa, é por certo o número de ouro da Criação. Um arcano intuído sempre, que a Tradição revela. É a lógica verdadeira que como "graça divina" opera além da lógica convencional ou formal. Esta permanente ligação que une os mundos, seja de maneira visível ou invisível, permite a possibilidade perpétua do "despertar", de uma volta ao sentido universal da existência, operativamente uma saída do tempo-espaço ordinário e amorfo, e uma entrada no "extraordinário" e sagrado. A função dos ritos não tem outro fim que dinamizar e atualizar esta possibilidade sempre latente. A ela se vincula especialmente a intuição intelectual e o Eros ou Amor divino, não a "razão" propriamente dita, analítica e discriminativa por natureza. |
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O ARTISTA |
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A tarefa do artista é a de mediador entre a essência do símbolo (ou Verbo) e sua manifestação no mundo temporário (obra do Verbo Criador). Dentre todas as criaturas, só ao homem é dado o tomar consciência deste papel e, através dele, é o Universo que se faz consciente de si mesmo. O propósito da educação tradicional consiste em levar a cabo esta tomada de consciência, despertando as capacidades latentes que todo homem leva ocultas, sendo esta a função que cumpre o grêmio dos artistas, dirigido por um mestre que conhece os princípios que governam a Arte. O processo de aprendizagem é hierárquico e provê o artista da linguagem simbólica. Inclui as ciências e as artes sagradas; trata-se da Alquimia do próprio ser e de um verdadeiro caminho de Iniciação. O apoio simbólico prepara o caminho do processo criativo através de rituais prescritos. A beleza do símbolo consiste em revelar o "Tesouro", sem cuja mediação não se poderia conhecer jamais. O rito tem sua base na cosmogonia e é o símbolo em movimento. O mito vive em um Tempo de ação ritual perene. O propósito destes rituais é o de criar um estado de consciência que permita ao artista mover-se no espaço interno da alma. Uma parte essencial deste estado meditativo é obter que a harmonia dos ciclos vitais penetre na existência inteira experimentando os ritmos da natureza, sua solidão e serenidade. É por meio da contemplação que se pode acessar o espaço interno do coração, onde tem lugar, para o artista, a única experiência de realidade. É então que pode expressar: "na verdade, tanto quanto é extenso o espaço, também o é o vazio que há no interior do coração". Chegou à fonte e contemplou, face a face, a realidade, contemplou-se a si mesmo. Já não existe o tempo; vidente e visão são um. Todo o universo concentrou seus raios em um ponto cuja incandescência voltou ao Si-Mesmo. Sons, formas, linhas, cores e materiais serão os meios para a alma desperta que busca expressar-se em sua descida pelo arco do ciclo criativo, devolvendo a forma visível, audível ou tangível ao vivido. Passivo com relação ao Princípio do qual é servidor, e ativo com respeito a sua Arte, o artista cria uma relação harmoniosa entre o universal, que anima sua obra, e a particular maneira de dar forma a sua criação. A obra será a amostra da perfeição alcançada pelo artista e, na medida em que esteja conforme com a Origem, poderá lhe chamar original. Originalidade compreendida no amplo sentido da palavra: a realização de uma concepção original e não só a transitória originalidade individual. "Esta parte terrestre do
mundo é mantida pelo conhecimento e pela prática de Artes
e Ciências, das quais não quis Deus que se privasse o
mundo para ser perfeito (...) E acertadamente a divindade suprema enviou
aqui para baixo, entre os homens, o coro das Musas, para que o mundo
terrestre não parecesse muito selvagem, privado da doçura
da música, mas, pelo contrário, para que os homens oferecessem
seus louvores mediante cantos inspirados pelas Musas àquele
que só o é Tudo e pai de todos e, assim, aos louvores
celestiais respondesse sempre, também sobre a terra, uma suave
harmonia. Certos homens, poucos em número, dotados de uma alma
pura, receberam em participação a augusta função
de elevar seus olhares para o céu" (Corpus Hermeticum, Asclépio
8-9). |
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NÃO É POR MUITO MADRUGAR… |
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Um dos temas nos quais se faz insistência no percurso iniciático é o dos inimigos ocultos, ou seja, naqueles que não são evidentes para o aprendiz, ou que se disfarçam aparentando virtudes quando não são mais do que formas do homem velho, e graves inimigos no caminho do Conhecimento. Muitas vezes, soem se apresentar com a roupagem da moral e do oficialmente admitido como virtuoso e até "religioso", ao que graciosamente denominam "tradicionalismo". Outra das desagradáveis maneiras em que soem se apresentar estes demônios, diretamente associada com a que acabamos de mencionar, é o fato de supor uma virtude o despertar cedo pelas manhãs, especialmente nas grandes urbes, onde o corpo perdeu toda conexão com os ritmos da natureza. Este fato completamente normal é tomado por indivíduos simplórios como uma grande coisa, exemplo digno de ser emulado, embora deva se impor pela força, como no caso dos internatos, cárceres e quartéis. Embora não se leve em conta que este “'madrugadores” se levantam para jogar lenha ao fogo da máquina da sociedade moderna que nos está devorando, que eles criaram e alimentam constantemente com sua diligência. O adagiário cunhou duas sentenças muito conhecidas com relação a este fato. A primeira diz "Deus ajuda a quem cedo madruga". Isso pode ser entendido como uma piada de humor negro, quando se pensa que os homens de hoje em dia, direta ou indiretamente, despertam dispostos a trair, mentir, murmurar, caluniar, roubar, destruir, etc., com o beneplácito e o patrocínio das entidades oficiais em meio da aprovação geral. O segundo refrão deu título a esta nota e diz: "Não é por muito madrugar que amanhece mais cedo". Nele se adverte o oposto ao anterior, ainda que se o note muito mais elaborado, já que nega de fato a simplória crença literal que o primeiro sustenta, e aparece como uma clara sentença a um dos enganos (pecados) maiores e difundidos dos contemporâneos: o de que através das ações dos homens vai poder se obter o que sempre foi chamado, inversamente, a Graça de Deus. "O espírito sopra onde quer" pode ler-se no texto sagrado. Sim, onde quer o espírito e não onde determinam os homens, ou em qualquer lado, por azar, como poderia compreender um literal, ou um “justo” muito madrugador. Um provérbio chinês diz: "Ao abusar da eficácia se produzem violências". |
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